domingo, 19 de junho de 2011

Voz do silêncio

Um ser não compartilhado, preso em seu próprio infinito: impenetrável e particular. Questiono quase sem querer: se as palavras ditas já me causam contorcimento imagine as não ditas? Estas soam com acordes desajustados, desafinados. Essa sua quietude incomoda meus ouvidos. Essas palavras, embora ausentes, não interferem na entendimento da mensagem. Eu as as compreendo, da pior forma possível, mais escancaradas e audíveis que as sonoras brigas que ouço nos aposentos vizinhos. Confesso, eu preferia: os desajustes,  um confronto de decibéis, que seja... qualquer coisa que que não me privasse de  invadir seu "eu", qualquer ação que rompesse o teu silêncio ensurdecedor (...)



A voz do silêncio

"Pior do que uma voz que cala, é um silêncio que fala!"

Simples, rápido! E quanta força!

Imediatamente me veio à cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis pois, você sabe, o silêncio não é dado a amenidades. Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim. É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado. Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: "Diz alguma coisa, mas não fica aí parado me olhando!" É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças de um show de rock, o silêncio é um sonho. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate à nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.

Martha Medeiros

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Apenas mais um corpo parado, inerte ao caos.

Cof, cof. E lá vou eu de novo, vomitar meus anseios e frustrações: 


Sou uma contradição, um ser paradoxalmente involuntário. Busco razões inexoráveis que não encontro em mim, procuro, vasculho e dificilmente acho. Entretanto, no alto dos meus vinte anos, me sobram descontentes sonhos e o dissabor de uma vida mediana. Vivo uma vidinha mais ou menos, em um lugar de hipocrisia nauseante. Confesso que precisei de pouco tempo neste mundo pra me ver descontente. Desconfio que na vinda pra cá, perdi alguns pedaços pelo caminho e aqui cheguei assim, quebrada. Inadequada. Porém, ainda me restam os farelos... Eles pairam por aí, predispostos a singeleza. De ilusão em ilusão vou sobrevivendo. Vampirizando alguns, indecifrando outros. Me resta saborear um gole de frustração, mais dois de whiskey... ao poucos o efeito Joplin me toma, sinto um apreço, uma estima passageira. Então me esvaio e enlouqueço.

"... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso."
Clarice Lispector. 

sábado, 2 de abril de 2011

Dos prantos (...)


Sinto a vida como água na concha das mãos, que a cada instante se escorre. A ânsia pelo instante surge em mim como uma tormenta que me invade, me destrói. Dou voltas, giro, descontroladamente e percebo que não posso viver com apenas a metade. Me jogo nesse poço de incertezas, me amordaço, me auto-amorteço pra me privar de sentir. Mas não há jeito, esta besta desenfreada se desata, se mostra e o resultado é a dor da qual marina minhas palavras. É incessante, é complexo, é egoísta, é sim. Mas não temo o inexplicável, não me coloco a disposição dos meus anseios e medos, não agora, não hoje. Apenas detesto ensaiar o adeus, motivo pelo qual não há em mim a vontade de que o mesmo se faça. Ando precisando de sins, os 'talvez' se tornaram eufemismos de nãos. Queria poder dizer o que grita em meu peito, mas apenas me calo, me esvaio e enlouqueço. Andava me alimentando de sonhos, de ilusões mas eles sozinhos não me satisfazem mais. De repente me deu uma vontade de ser menos romântica. De amar menos, sentir menos. Ás vezes odeio esta vida, estas paredes, essas caminhadas de casa para a aula, da aula para casa, esses diálogos vazios, odeio até este diário, que não existiria se eu não me sentisse tão só. Me resta outrora a súplica de te ver presente. Mas tudo que posso colher é a certeza dos beijos não dados, das mãos desentrelaçadas, dos olhares em direções opostas. E agora, sobra esse empasse, onde o próprio veneno é também o antídoto.

terça-feira, 22 de março de 2011

Ausência de alguém presente

Sepultava-se mais do que conversas, mais que filosofias conjuntas, complexidades, reciprocidades, carências e anseios. Partia-se agora a um total e extenso vazio, quase que eloquente. Defronte agora se via um espaço destituído, que não pudera ser refeito. Queria encarar o próprio desterro, decifrar as próprias indagações. Mas ali jazia um corpo vivo. Soubera que a dificuldade viria. Queria enviesar as impressões, sufocar os temores, despistar a maviosidade. Desejava sucumbir às aspirações, exumar a opção aparentemente errônea que fizera. Mas o mesmo não se podia, ausência já havia se tornado fétida.

....


Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

segunda-feira, 21 de março de 2011

Mais desabafos, menos memórias

Espaços como estes deveriam estar escritos em suas descrições: Só leia se você souber sentir. A verdade é que este é um espaço egoísta. Cabe a mim, a presunçosa escritora deste me decidir pelo que escrevo, a sombra que meus possíveis leitores contentem-se ou não, não me importa. Estou aqui pra me dissecar, pra ser altruísta mesmo. Pra sobrepor minhas vontades, vaidades, desejos... Pra enlouquecer e deixar rolar minhas súbitas insanidades cotidianas. Pra deparar com a mediocridade dessa vida e ainda sim sobreviver.



Lá estava ela. Roupa rasgada, ultrajada, sumariamente descontente. Boca entreaberta, como se algum ruído estivesse preste a sair dela, mas com conteúdo inaudível. Sua aparência não era das melhores. Não que o quisesse. Aparentar longevidade não estava em seus planos neste momento. Sentia um amargo vazio, uma amarga ausência. Cada parte de seu corpo doía em ritmo descontrolado. Aquele saboroso júbilo já não estava mais presente em paladar. Queria provar novamente, queria lambuzar-se deste mas o destino era insípido (...)


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Permita-se e ponto.



Cansei de quem gosta como se gostar fosse mais uma ferramenta de marketing. Gostar aos poucos, gostar analisando, gostar duas vezes por semana, gostar até as duas e dezoito. Cansei de gente que gosta como pensa que é certo gostar. Gostar é essa besta desenfreada mesmo. E não tem pensar. E arrepia o corpo inteiro, mas você não sabe se é defesa para recuar ou atacar. Eu eu gosto de você porque gostar não faz sentido.

Permita-se. Se você acha que no fundo mesmo, apesar de todas essas reuniões e palavras em inglês que só querem dizer que você não sabe o que está falando, o que importa é ter pra quem mostrar que saiu o arco-íris. Permita-se. Porque eu não quero que você tenha essa pressa ao ponto de ajudar com as próprias mãos. Eu quero que você sinta esse prazer que chega aos poucos. E mata tudo que há em volta. E explode os relógios. E chega aos poucos ainda que você ainda não saiba nem quem é pouco e nem quem é lento. Porque você morre. Se você prefere a vida quando se morre um pouco por alguém. permita-se.


(...) Eu não quero ir embora e esperar o dia seguinte. Porque cansei dessa gente que manda ter mais calma. E me diz que sempre tem outro dia. E me diz que eu não posso esperar nada de ninguém. E me diz que eu preciso de uma camisa de força. Se você puder sofrer comigo a loucura que é estar vivo. Se você puder passar a noite em claro comigo de tanta vontade de viver esse dia sem esperar o outro, se você puder esquecer a camisa de força e me enrroscar no seu corpo para que duas forças loucas tragam algum aquilibrio. Se você puder ser alguém de quem se espera algo, afinal, é uma grande mentira viver sozinho, permita-se. Eu só queria alguém pra vencer comigo esses dias terrivelmente chatos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eis, uma descrição.


"Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O rsultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se trata de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: Nem sempre os meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são: cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime, às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna. Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei."


Clarice Lispector