terça-feira, 22 de março de 2011

Ausência de alguém presente

Sepultava-se mais do que conversas, mais que filosofias conjuntas, complexidades, reciprocidades, carências e anseios. Partia-se agora a um total e extenso vazio, quase que eloquente. Defronte agora se via um espaço destituído, que não pudera ser refeito. Queria encarar o próprio desterro, decifrar as próprias indagações. Mas ali jazia um corpo vivo. Soubera que a dificuldade viria. Queria enviesar as impressões, sufocar os temores, despistar a maviosidade. Desejava sucumbir às aspirações, exumar a opção aparentemente errônea que fizera. Mas o mesmo não se podia, ausência já havia se tornado fétida.

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Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

segunda-feira, 21 de março de 2011

Mais desabafos, menos memórias

Espaços como estes deveriam estar escritos em suas descrições: Só leia se você souber sentir. A verdade é que este é um espaço egoísta. Cabe a mim, a presunçosa escritora deste me decidir pelo que escrevo, a sombra que meus possíveis leitores contentem-se ou não, não me importa. Estou aqui pra me dissecar, pra ser altruísta mesmo. Pra sobrepor minhas vontades, vaidades, desejos... Pra enlouquecer e deixar rolar minhas súbitas insanidades cotidianas. Pra deparar com a mediocridade dessa vida e ainda sim sobreviver.



Lá estava ela. Roupa rasgada, ultrajada, sumariamente descontente. Boca entreaberta, como se algum ruído estivesse preste a sair dela, mas com conteúdo inaudível. Sua aparência não era das melhores. Não que o quisesse. Aparentar longevidade não estava em seus planos neste momento. Sentia um amargo vazio, uma amarga ausência. Cada parte de seu corpo doía em ritmo descontrolado. Aquele saboroso júbilo já não estava mais presente em paladar. Queria provar novamente, queria lambuzar-se deste mas o destino era insípido (...)